quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Anoitecer nas Terras Devastadas...

O dono do bar jazia no chão com os joelhos feridos e sangrando, enquanto o forasteiro devolvia os revólveres aos coldres, com a voz trêmula ele disse:
-Por quê fez isso senhor, eu não o conheço, nunca lhe fiz mal, só tentei defender meu bar, pois pensei ser um assalto.
O forasteiro sem alterar o passo, enquanto se dirigia para as velhas portas de vai-e-vem, respondeu:
-Você está vivo, considere isso um elogio...
O homem atravessou as portas e caminhou tranquilamente pela calçada, enquanto os curiosos começavam a chegar para ver os estragos, sem suspeitar que o tiroteio acabara deixando oito mortos e o dono do bar ferido.
Enfiou a mão no bolso, puxou e consultou o velho relógio dourado, recordação de outras histórias de amor e morte vividas naquela terra seca e feia.
Não queria que as coisas tivessem chegado naquele ponto, sequer era um acerto de contas, apenas chegou ao bar e pediu ao velho atrás do balcão pelo ferreiro mais próximo, pois seu cavalo precisava de novas ferraduras, mas o tiro que passou raspando em sua cabeça e quebrou o espelho do bar acabou selando alguns destinos naquela noite...
O forasteiro seguiu caminhando tranquilamente pela rua principal,foi até a praça e a atravessou, a Igreja estava aberta e iluminada, provavelmente as pessoas da paróquia já haviam tomado conhecimento da matança e preparavam o lugar para o velório, ás suas costas, pessoas corriam desesperadas em direção ao velho bar.
Parou ao pé da escada, olhou para a cruz no alto da torre, respirou fundo e entrou, não, não queria pedir perdão, em seus trinta e poucos anos seus olhos já tinham visto mais tragédias do que poderiam suportar e seus velhos ferros, os velhos “fazedores de viúva” já haviam mandado uma multidão de defuntos para acertar suas contas com o Senhor.
Era tarde para pedir ajuda, era tarde para pedir clemência, chegou a um dos surrados bancos, tirou o chapéu e ajoelhou-se.
Os olhos fechados projetavam imagens de um belo campo verde, marcado ao fundo com as velhas taipas de pedra, divisando o fim de suas terras um pouco antes do rio. Sentado com seus pés erguidos por sobre as tábuas da varanda, sua mulher, ao lado, bordando o sapato para o filho que chegaria em breve, enquanto o primogênito, com seus cinco anos de idade, brincava de fazendeiro com seu pequeno rebanho imaginário, de cavalos e vacas feitos de lascas de osso...
O sol estava se pondo logo após do morro mais próximo, a luz alaranjada dava fundo ao quadro do que seria a sua última lembrança de um dia feliz...
Enxugou uma lágrima teimosa com as costas da mão, levantou-se, bateu a poeira do surrado chapéu e seguiu até o lugar onde deixara o cavalo...
A chuva chegou forte, apesar de o dia ter sido ensolarado e o entardecer ter feito promessas de tempo firme, os três sentados em volta da mesa, no velho fogão de barro uma chaleira chiava em protesto e o vento batia forte de encontro as janelas, mas dentro da casa, a luz do lampião tranqüilizava o ambiente.
O vento e a chuva esconderam o barulho dos cascos dos cavalos que se aproximavam, abafaram também o latido do seu cão, e quando os jagunços puderam ser ouvidos era tarde demais.
Infelizmente os trovões não abafaram o barulho dos tiros, dos dois tiros, o que matou sua mulher e o que matou seu filho, enquanto ele, dominado e com as mãos amarradas apenas gritava de dor...
O cão ou o lampião, talvez Deus, um deles salvou sua vida, ouvindo os tiros, o velho cão pastor se tornou mais forte que a corda que o prendia, ele correu em direção á casa, entrando pela porta escancarada e atacando um dos homens armados, alguns disparos acidentais aconteceram, o lampião caiu, ele derrubou o outro jagunço que o segurava, o cão deu um ganido de dor e foi aí que o fogo começou.
Era a hora de sobreviver e não de ser corajoso, correu porta a fora, as mão amarradas atrapalharam a corrida e ele se machucou ao pular a taipa, a chuva estava forte, o rio havia subido e ele foi arrastado pela enxurrada.
Soltou seu cavalo, montou e saiu num trote apressado, ainda precisava falar com o ferreiro, mas a hora de ir embora era aquela e, antes que perguntas começassem a ser feitas, seguiu rumo á estrada, seguiu em busca da sua vingança...


Richard

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