quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Histórias das Terras Devastadas...

Estou sentado no alto do morro, vendo o que sobrou da antiga estrada asfaltada, lá em baixo,  meus dois cachorros, meus vira-latas de sangue nobre, brincam um com o outro. Tirando o barulho dos dois e som, aqui e ali, de alguma ave sobrevivente, o silêncio era total.
No cemitério, muitos túmulos desabaram, um que outro mausoléu, ou imagem maior, se mantém de pé, desafiando os anos. Este lugar me servirá de abrigo esta noite, a lenha para a fogueira já está empilhada a um canto, está seca e quebradiça, meio podre, vai se consumir rapidamente.
O fogo pode chamar a atenção para meu acampamento improvisado, mas é um risco a correr, ela afasta os animais, que, muitas vezes famintos, podem tentar um ataque.
Além do mais, não tenho visto muitas pessoas nas minhas andanças. Não tenho visto ninguém. Apenas sinais, restos de fogueiras, restos de comida, rastros. Quem quer que seja, está se mantendo longe, em segurança, ou apenas não nos encontramos.
O que sobrou do mundo não pode ser chamado de mundo pequeno, como se dizia antigamente, é um mundo vazio, onde o que sobrou se deteriora, pelo abandono, pelo desgaste, pela passagem do tempo.
Pelo menos não estou sozinho. Agradeço a Deus por existir mais alguém. Quem sabe minha andança por esses dias não tem algum significado?
Não significa que haverá um recomeço?

domingo, 16 de janeiro de 2011

Histórias das Terras Devastadas...

- Há poucas pessoas por aqui hoje.
- É, muitos fugiram para as montanhas.
Sim, talvez os espertos tenham fugido, mas poucos continuavam na cidade, levando uma vida aparentemente normal, depois que a peste começou a perder força.
Muitos eram imunes, essa é a verdade, e passaram incógnitos enquanto os corpos se acumulavam nas sarjetas.
A praga surgiu forte, na forma de uma dor de cabeça infernal, uma cultura devastadora, a vítima ficava prostrada em poucas horas e, em dois dias, vinha a óbito.
Ninguém sabe direito o que a causou, provavelmente o ar envenenado.
A coisa começou com a morte de algumas aves de uma determinada espécie, nos Estados Unidos, sempre eles e, tempos depois os mais estranhos eventos começaram a se desencadear pelo mundo, multidões em fúria, atentados suicidas em escala nunca antes vista. Violência e morte.
E depois a dor.
Em poucas semanas, 1/3 da população estava extinta, sem escolhas, talvez a genética tenha selecionado as vítimas. Atacava a população de um determinado povoado e deixava a do próximo livre.
Ninguém sabe de nada, nas vítimas nada se encontrou, nada de sinais de intoxicação ou envenenamento, apenas os sintomas e o fim.
Não houve mais lugares para os caixões e, em muitos lugares, a fumaça dos crematórios escureceu os dias.
Minha escolha? Minha escolha foi sobreviver. Fui um dos "eleitos", imune, ajudei por um tempo no recomeço e acabei por voltar ao meu trabalho.
Naquele dia, apenas duas cozinheiras serviam as refeições e, dos quinhentos lugares do refeitório, menos de cem estavam ocupados naquele momento. A fábrica continuava a passos lentos, enquanto a mão de obra antes escassa, agora se tornava impossível. Equilibrava sua produção num mundo em que dois bilhões de pessoas havia desaparecido.
Não estou feliz, acho que isso foi apenas o começo...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre como 2010 passou rápido...

E como eu quero que os anos demorem, daqui pra frente.
Falava a uns dias atrás, sei lá com quem, meus amigos, talvez,
sobre como o tempo passa voando e sobre como,
cada vez mais, temos menos tempo.
Todas as coisas nos envolvem, nos comprometem com
coisas que não queremos e o tempo passa voando.
Amanhã já passou.
Teve fim e eu não vi.
Pouco tempo pras pessoas que gostamos.
Tanto tempo pra quem não gostamos.
Tanto tempo pra ganhar dinheiro.
Pra ter cada vez menos pra gastar com o que se quer.
Ou com quem se quer.
Lembrei de uma música agora, ela fala sobre isso.
Um ótimo ano novo pra todos nós.
Com saúde e paz. Um pouco de paz, por favor.

Construção
Chico Buarque.

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague