quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Ouro de tolo...

As vezes me sinto muito velho, sério, uma alma muito velha, quem sabe, talvez seja, muitas vezes tenho a sensação de ter vivido as mesmas coisas milhares de vezes.
É estranho, você vai a um lugar novo, ou faz algo que nunca fez e, de repente, bate uma sensação de reconhecimento, tipo, "que legal, show, só que, sabe, acho que já fiz isso e, agora, parece que não tem a menor graça...".
Talvez eu ande um pouco amargo, ou nostálgico, não sei ao certo, minha vida teve um recomeço a uns anos e as vezes acho que talvez esteja levando ela para o buraco novamente, que talvez não esteja aproveitando a oportunidade do recomeço como deveria.
Ou esteja deixando a corrente me levar demais, quem sabe esteja na hora de alongar os braços, respirar fundo e voltar a remar contra a correnteza, rio acima, e achar um novo lugar pra descansar á sombra.
Fui a um casamento a uns dias atrás. Muito bonito. Os noivos são meus amigos. Entre os convidados, muitos amigos também.
Espero que sejam felizes, que tenham sucesso, que fiquem bem.
Mas...
Odeio casamentos. Odeio. Me deixam tão triste. Talvez seja por isso que eu ande tão acabrunhado. Tenho a mania de tentar enxergar o futuro, de ver o que acontece á frente e, não gosto de pensar no futuro dos casamentos. Por mais que tente, vejo futuros tristes, é minha imaginação, ou talvez, já tenha visto casamentos demais, ou, ter visto demais, casamentos que não deram certo...
Well, chega das lamentações desse cara rabujento que estou hoje. O fim do ano está aí e dias melhores virão.
Eu acho.

Ouro de Tolo
Raul Seixas

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês...

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73...

Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado
Fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa...

Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa...

Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado...

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "e daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes prá conquistar
E eu não posso ficar aí parado...

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Prá ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos...

Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco...

É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal...

E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social...

Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar...

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...

Ah!
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar...

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sobre carros e bolas de fogo...

Tava lendo a uns dias atrás que um carro tem de ser forte o suficiente para que seu motorista morra numa bola de fogo.
Acho que o cara está certo...

120...150...200 Km Por Hora
Erasmo Carlos

As coisas estão passando mais depressa
O ponteiro marca 120
O tempo diminui
As árvores passam como vultos
A vida passa, o tempo passa
Estou a 130
As imagens se confundem
Estou fugindo de mim mesmo
Fugindo do passado, do meu mundo assombrado
De tristeza, de incerteza
Estou a 140
Fugindo de você

Eu vou voando pela vida sem querer chegar
Nada vai mudar meu rumo nem me fazer voltar
Vivo, fugindo, sem destino algum
Sigo caminhos que me levam a lugar nenhum

O ponteiro marca 150
Tudo passa ainda mais depressa
O amor, a felicidade
O vento afasta uma lágrima Que começa a rolar no meu rosto
Estou a 160
Vou acender os faróis, já é noite
Agora são as luzes que passam por mim
Sinto um vazio imenso
Estou só na escuridão
A 180
Estou fugindo de você
Eu vou sem saber pra onde nem quando vou parar
Não, não deixo marcas no caminho pra não saber voltar
Às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim
Não, não sei por quanto tempo ainda eu vou viver assim

O ponteiro agora marca 190
Por um momento tive a sensação
De ver você a meu lado
O banco está vazio
Estou só a 200 por hora
Vou parar de pensar em você
Pra prestar atenção na estrada

Vou sem saber pra onde nem quando vou parar
Não, não deixo marcas no caminho pra não saber voltar
Às vezes, às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim
Não, não sei por quanto tempo ainda eu vou viver assim

Eu vou, vou voando pela vida
Sem querer chegar

domingo, 5 de dezembro de 2010

Mochileira

Mochileira
Almir Sater

Mochileira deite comigo essa noite
E conte aquela boa velha história
De como as noites são claras em Machu Pichu
E os dias dourados na Califórnia

Moça eu não vou precisar ler na sua mão
Pra saber que você não vai voltar
Pra vida maluca das pessoas
Do mundo
Das formigas tentando se esconder da chuva

Dance mochileira que eu toco a guitarra

Pedro saiu numa barca pro Nepal
Vera estava em Amsterdã
Porque não fazer algo mais divertido que casar com executivos
E acabar achando excitante
A reunião semanal da confraria dos amantes
Das delícias da boa velha tecnocracia

Dance mochileira que eu toco a guitarra

Moça eu sei que não é legal
Ficar sozinha quando o velho medo vem
E essa noite em Cuzco é tão fria
Me passe a garrafa de vinho
Sim, eu posso ver
Que os tempos tem sido maus com você

Mas os Deuses eles sabem
Que valeu a pena segurar essa barra
Moça o céu é seu amigo
Enquando durar essa farra
E depois você é mesmo
Do tipo de cigarra
Que canta na chuva

Dance mochileira que eu toco a guitarra.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Anoitecer nas Terras Devastadas...

O dono do bar jazia no chão com os joelhos feridos e sangrando, enquanto o forasteiro devolvia os revólveres aos coldres, com a voz trêmula ele disse:
-Por quê fez isso senhor, eu não o conheço, nunca lhe fiz mal, só tentei defender meu bar, pois pensei ser um assalto.
O forasteiro sem alterar o passo, enquanto se dirigia para as velhas portas de vai-e-vem, respondeu:
-Você está vivo, considere isso um elogio...
O homem atravessou as portas e caminhou tranquilamente pela calçada, enquanto os curiosos começavam a chegar para ver os estragos, sem suspeitar que o tiroteio acabara deixando oito mortos e o dono do bar ferido.
Enfiou a mão no bolso, puxou e consultou o velho relógio dourado, recordação de outras histórias de amor e morte vividas naquela terra seca e feia.
Não queria que as coisas tivessem chegado naquele ponto, sequer era um acerto de contas, apenas chegou ao bar e pediu ao velho atrás do balcão pelo ferreiro mais próximo, pois seu cavalo precisava de novas ferraduras, mas o tiro que passou raspando em sua cabeça e quebrou o espelho do bar acabou selando alguns destinos naquela noite...
O forasteiro seguiu caminhando tranquilamente pela rua principal,foi até a praça e a atravessou, a Igreja estava aberta e iluminada, provavelmente as pessoas da paróquia já haviam tomado conhecimento da matança e preparavam o lugar para o velório, ás suas costas, pessoas corriam desesperadas em direção ao velho bar.
Parou ao pé da escada, olhou para a cruz no alto da torre, respirou fundo e entrou, não, não queria pedir perdão, em seus trinta e poucos anos seus olhos já tinham visto mais tragédias do que poderiam suportar e seus velhos ferros, os velhos “fazedores de viúva” já haviam mandado uma multidão de defuntos para acertar suas contas com o Senhor.
Era tarde para pedir ajuda, era tarde para pedir clemência, chegou a um dos surrados bancos, tirou o chapéu e ajoelhou-se.
Os olhos fechados projetavam imagens de um belo campo verde, marcado ao fundo com as velhas taipas de pedra, divisando o fim de suas terras um pouco antes do rio. Sentado com seus pés erguidos por sobre as tábuas da varanda, sua mulher, ao lado, bordando o sapato para o filho que chegaria em breve, enquanto o primogênito, com seus cinco anos de idade, brincava de fazendeiro com seu pequeno rebanho imaginário, de cavalos e vacas feitos de lascas de osso...
O sol estava se pondo logo após do morro mais próximo, a luz alaranjada dava fundo ao quadro do que seria a sua última lembrança de um dia feliz...
Enxugou uma lágrima teimosa com as costas da mão, levantou-se, bateu a poeira do surrado chapéu e seguiu até o lugar onde deixara o cavalo...
A chuva chegou forte, apesar de o dia ter sido ensolarado e o entardecer ter feito promessas de tempo firme, os três sentados em volta da mesa, no velho fogão de barro uma chaleira chiava em protesto e o vento batia forte de encontro as janelas, mas dentro da casa, a luz do lampião tranqüilizava o ambiente.
O vento e a chuva esconderam o barulho dos cascos dos cavalos que se aproximavam, abafaram também o latido do seu cão, e quando os jagunços puderam ser ouvidos era tarde demais.
Infelizmente os trovões não abafaram o barulho dos tiros, dos dois tiros, o que matou sua mulher e o que matou seu filho, enquanto ele, dominado e com as mãos amarradas apenas gritava de dor...
O cão ou o lampião, talvez Deus, um deles salvou sua vida, ouvindo os tiros, o velho cão pastor se tornou mais forte que a corda que o prendia, ele correu em direção á casa, entrando pela porta escancarada e atacando um dos homens armados, alguns disparos acidentais aconteceram, o lampião caiu, ele derrubou o outro jagunço que o segurava, o cão deu um ganido de dor e foi aí que o fogo começou.
Era a hora de sobreviver e não de ser corajoso, correu porta a fora, as mão amarradas atrapalharam a corrida e ele se machucou ao pular a taipa, a chuva estava forte, o rio havia subido e ele foi arrastado pela enxurrada.
Soltou seu cavalo, montou e saiu num trote apressado, ainda precisava falar com o ferreiro, mas a hora de ir embora era aquela e, antes que perguntas começassem a ser feitas, seguiu rumo á estrada, seguiu em busca da sua vingança...


Richard